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segunda-feira, 4 de maio de 2015

SERÁ QUE O BRASIL FEZ ALGUMA COISA PARA EVITAR A MALDIÇÃO DO PETRÓLEO?

OURO NEGRO, A MALDIÇÃO DO PETRÓLEO

Posted by Silvia

Está todo mundo feliz com a descoberta de reservas gigantes de petróleo no Brasil. Acontece que, quase sempre, achar petróleo é uma péssima notícia

Por Denis Russo Burgierman

O presidente Lula comemorou a imensa descoberta de petróleo ano passado dizendo que “Deus é brasileiro”. Antes de celebrar, talvez ele devesse ouvir a opinião do venezuelano Juan Pablo Pérez Alfonso (1903-1979), fundador da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Para ele, petróleo não é indício da mão de Deus, mas sim do intestino do demo. Juan Pablo costumava dizer que petróleo é o “excremento do diabo”.
Ele sabia do que estava falando, já que viu sua Venezuela erodir suas instituições democráticas e se perder em corrupção. É assim na maioria dos grandes exportadores de petróleo. Quase todos são ditaduras intermináveis, como o Iraque de Saddam e a monarquia saudita. Eles crescem menos que seus vizinhos sem petróleo e seus problemas sociais levam mais tempo para ser resolvidos. Vários são países devastados por guerras civis. Mesmo as democracias do óleo tendem a ser pouco democráticas. Veja o México, onde um mesmo partido, o PRI, ficou no poder por mais de 70 anos. Dos 20 maiores exportadores de petróleo do mundo, 16 são ditaduras. E outros dois – México e Venezuela – são democracias com instituições fracas. A maioria está nos últimos lugares do mundo em desenvolvimento humano, e entre os primeiros em desigualdade e endividamento. É nesse clube que o Brasil está prestes a entrar. Será que devíamos mesmo estar comemorando? E será que tem algum jeito de escapar da “maldição do petróleo”?
Por que petróleo faz tão mal? Como é que uma das mercadorias mais valorizadas do mundo pode gerar pobreza, guerra e autoritarismo? Nos últimos anos, economistas e cientistas políticos encontraram uma série de explicações.
A primeira: petróleo enfraquece a economia. Ele custa tão caro que uma cachoeira de dólares entra no país. Com muitos dólares em caixa, a moeda nacional se valoriza. Resultado, fica barato importar produtos estrangeiros e caro produzir – aí a indústria nacional definha. Só que o preço do petróleo é uma montanha-russa. Em 1990, o barril custava mais de US$ 40. Meses depois, caiu para menos de US$ 20. Enquanto este texto era escrito, um barril custava US$ 135. Essas altas e baixas destroem qualquer um. O preço sobe, o país se alaga de dólares e as indústrias fecham. O preço cai, secam os dólares, o país se endivida e não tem indústria para ajudar.
A segunda: petróleo distancia os políticos do povo. A maioria dos grandes exportadores de petróleo nem cobra impostos da população. Não precisam. Têm dólar sobrando. Os governos não prestam contas a ninguém, roubam descaradamente, torram dinheiro público e a sociedade civil é fraca, desestruturada.
A terceira: petróleo torna a política mais burra. A maioria dos países exportadores não tem um projeto de desenvolvimento, apenas grupos rivais brigando pelo poder – e pelo acesso ao poço de dinheiro. Quando chegam lá, gastam que nem loucos, sem planejamento, para não deixar nada para os rivais.
Quer dizer então que nos ferramos? Não. Num certo sentido, o Brasil deu sorte de virar exportador justo agora, quando estudiosos estão desvendando os mecanismos da maldição e inventando antídotos. Outra sorte é que o nosso petróleo está enterrado bem fundo, e vai demorar para começar a jorrar. Ou seja, dá tempo de nos prepararmos. Só que devemos trabalhar já, antes de o petróleo começar a ser vendido. Veja o que precisamos fazer:
1. Ter um projeto de país. Está na hora de governo, oposição e sociedade civil discutirem que tipo de país nós queremos. Claro que não vamos concordar em tudo, mas dá para alcançar alguns consensos. Por exemplo: o de que precisamos de educação básica decente, de infra-estrutura, de um sistema de saúde, de pesquisa científica, de proteção ao ambiente. O papel da imprensa é discutir essas questões e informar a sociedade, para que todo mundo possa participar. Com todo mundo de acordo com esse projeto, podemos planejar a longo prazo o uso do dinheiro do óleo – e cada governo novo tem a obrigação de continuar o que o anterior começou.
2. Proteger a economia. Quando o dinheiro vier, nos encheremos de dólares. Precisamos evitar que essa dinheirama inunde a economia e supervalorize o real. O ideal é colocar tudo numa conta separada, que precisa ser vigiada de perto pela oposição e pela sociedade civil, para que ninguém tire dela mais do que o permitido. O governo só pode sacar até um certo limite, e deixar o resto guardadinho para os nossos netos. Se o preço do petróleo cair, pode sacar um pouquinho mais para evitar depressão na economia. Se subir, é hora de guardar para tempos bicudos. E tudo o que o governo sacar tem que ser usado para colocar em prática o projeto de país descrito no item 1. Nada de aumentar a gastança do governo.
3. Transparência. O único jeito de evitarmos que surrupiem a grana é abrirmos todas as janelas. Precisamos que cada funcionário do governo tenha obrigação de prestar contas do que faz. Precisamos de organizações independentes destinadas a investigar gastos públicos. Precisamos de uma imprensa menos gritona e mais vigilante e racional. Precisamos que cada órgão do governo tenha como uma de suas funções fiscalizar um outro órgão do governo. Precisamos que o orçamento seja claro, transparente e público. O saldo da conta do dinheiro do petróleo, por exemplo, tem que poder ser acessado online por qualquer brasileiro. Se fizermos tudo isso, o petróleo não só deixará de ser uma maldição como resolverá a maioria dos problemas do Brasil. Está aí a Noruega, 3a exportadora de petróleo e 2o maior índice de desenvolvimento humano do mundo, para provar que é possível. Mas, se não fizermos a lição de casa… Hmm, a coisa vai feder.

Petróleo pode ser uma maldição
Moisés Naím -Valor Econômico
Muitas vezes, o petróleo acaba sustentando governantes autoritários. Por Moisés Naím petróleo é uma maldição. Gás . Natural, cobre e diamantes também são nocivos para a saúde de um país. Daí decorre uma constatação que é tão poderosa quanto anti-intuitiva: países pobres, mas ricos em recursos, tendem a ser subdesenvolvidos não apesar das suas riquezas minerais e em hidrocarbonetos, mas em virtude da sua riqueza de recursos. De uma forma ou de outra, o petróleo — ou ouro, ou zinco — toma o país pobre. Esse fato é difícil de acreditar e exceções, como Noruega e EUA, são geralmente usadas para argumentar que petróleo e prosperidade para todos podem de fato caminhar juntos.
A raridade dessas exceções, no entanto, não só confirma a regra como também mostra o que é preciso fazer: democracia, transparência e instituições públicas eficientes. Essas são precondições importantes para aspectos mais técnicos da receita, incluindo a necessidade de manter a estabilidade macroeconômica.
Gerenciar as finanças públicas prudentemente, investir parte dos lucros inesperados no exterior, estabelecer "fundos para dias chuvosos", diversificar a economia e assegurar que a moeda local não alcance uma cotação elevada demais.
Tudo isso parece simples, e com Brasil, Gana e outros países provavelmente em vias de se tomarem grandes protagonistas do petróleo, podemos ter a expectativa de testemunhar alguns raros casos de teste dessas recomendações.
Infelizmente, para a maioria dos países subdesenvolvidos, as defesas sugeridas são tão utópicas quanto à meta mais ampla que elas ajudariam a alcançar. Países que já possuem essas vantagens institucionais não precisam se preocupar com a maldição dos recursos. Para os demais, a exemplo de uma doença auto-imune, a maldição mina a capacidade dos governos de contrair defesas contra ela. Poder concentrado, corrupção e o dom dos governos de ignorar as necessidades das suas populações tomam a maldição algo difícil de se resistir.
Juan Pablo Pérez Alfonzo, ministro do Petróleo da Venezuelano começo da década de 1960 e um dos fundadores da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), foi o primeiro a chamar a atenção para o problema. O petróleo, ele disse, não é ouro negro: é o excremento do diabo.
Desde então, a constatação de Pérez Alfonzo tem sido rigorosamente testada—e confirmada — por economistas e cientistas políticos. Eles documentaram, por exemplo, que, desde 1975, as economias de países subdesenvolvidos ricos em recursos naturais cresceram em ritmo mais lento que as dos países que não podiam depender da exportação de minérios e matérias primas. Mesmo quando ocorre crescimento alimentado por aqueles recursos, ele raramente gera os costumeiros benefícios sociais plenos do crescimento.
Uma característica comum dessas economias é que elas tendem a ter taxas de câmbio que estimulam importações e inibem a exportação de quase tudo exceto sua principal commodity. Não que seus líderes não percebam a necessidade de diversificar. Os países ricos em petróleo investiram em outros setores, mas poucos desses investimentos tiveram êxito, pois a taxa de câmbio retarda o crescimento da agricultura, da produção fabril, do turismo e demais setores.
Depois, há a intensa volatilidade das commodities exportadas. Nos últimos 24 meses, por exemplo, o preço do petróleo disparou, subindo de menos de US$ 80 por barril para US$ 147, depois caiu para US$ 30, e mais uma vez se deslocou para cima, para US$ 60, em meados de 2009. Esses ciclos têm efeitos devastadores. A expansão provoca excesso de investimento, assunção de risco temerária e endividamento demasiado. A recessão leva a crises bancárias e cortes orçamentários draconianos que prejudicam os pobres, que dependem de programas governamentais. Ademais, o crescimento impulsionado pelo petróleo não gera empregos em volumes proporcionais à sua participação na economia. Em muitos desses países, o petróleo e o gás natural respondem por mais de 80% das receitas governamentais, ao passo que esses setores geralmente empregam menos de 10% da força de trabalho. Isso aumenta a desigualdade econômica.
Um país petrolífero autoritário tem menos probabilidade de se mover na direção da democracia que uma autocracia sem recursos
Talvez de forma ainda mais significativa, a maldição do petróleo gera políticas perversas. Considerando que os governos desses países não precisam tributar a população para acumular receitas fiscais gigantescas, seus líderes podem se dar o luxo de ser insensíveis e de se esquivar de prestar contas aos contribuintes, que por sua vez mantêm vínculos tênues e não raro parasitários com o Estado. Esses governos, com sua capacidade de dispor de imensos recursos financeiros praticamente de acordo com a sua vontade, inevitavelmente se tomam corruptos.
Assim que assumem o poder, esses governos ricos em petróleo são difíceis de desalojar, gastando vastos recursos públicos para comprar ou reprimir adversários políticos. Estatisticamente, um país petrolífero autoritário tem muito menos probabilidade de se mover na direção da democracia que uma autocracia carente de recursos. Governos ricos em petróleo nos países em desenvolvimento gastam duas a dez vezes mais com suas forças armadas que países pobres ou de renda mediana e são mais propensos a declarar guerra. A maioria dos países exportadores de petróleo que não possuem sólidas instituições democráticas antes de começarem a exportar petróleo cria uma atmosfera inóspita para a democracia.
Isso explica porque fundos soberanos, fundos de estabilização do petróleo e outras soluções tentadas pelos países ricos em petróleo para evitar os efeitos da volatilidade, excesso fiscal, endividamento, taxas de câmbio inibidoras de exportação e outros efeitos nocivos, raramente funcionam. Eles são atacados antes dos dias chuvosos ou são desperdiçados em investimentos medíocres.
Assim, estarão perdidas todas as esperanças para países pobres com ricos recursos naturais? Não necessariamente. Chile e Botsuana se destacam como casos de sucesso em continentes onde a maldição dos recursos provocou destruição. Como eles conseguiram se proteger ainda é um mistério. Desvendar o segredo do seu escape da maldição dos recursos poderá salvar milhões do excremento do diabo. Mas ninguém fez isto até agora.
Moisés Naím é editor-chefe da revista "Foreign Policy", onde uma versão deste artigo será publicada em breve.




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