OURO
NEGRO, A MALDIÇÃO DO PETRÓLEO
Posted by Silvia
Está
todo mundo feliz com a descoberta de reservas gigantes de petróleo no Brasil.
Acontece que, quase sempre, achar petróleo é uma péssima notícia
Por Denis Russo Burgierman
O
presidente Lula comemorou a imensa descoberta de petróleo ano passado dizendo
que “Deus é brasileiro”. Antes de celebrar, talvez ele devesse ouvir a opinião
do venezuelano Juan Pablo Pérez Alfonso (1903-1979), fundador da Organização
dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Para ele, petróleo não é indício da
mão de Deus, mas sim do intestino do demo. Juan Pablo costumava dizer que
petróleo é o “excremento do diabo”.
Ele
sabia do que estava falando, já que viu sua Venezuela erodir suas instituições
democráticas e se perder em corrupção. É assim na maioria dos grandes
exportadores de petróleo. Quase todos são ditaduras intermináveis, como o
Iraque de Saddam e a monarquia saudita. Eles crescem menos que seus vizinhos
sem petróleo e seus problemas sociais levam mais tempo para ser resolvidos.
Vários são países devastados por guerras civis. Mesmo as democracias do óleo
tendem a ser pouco democráticas. Veja o México, onde um mesmo partido, o PRI,
ficou no poder por mais de 70 anos. Dos 20 maiores exportadores de petróleo do
mundo, 16 são ditaduras. E outros dois – México e Venezuela – são democracias
com instituições fracas. A maioria está nos últimos lugares do mundo em
desenvolvimento humano, e entre os primeiros em desigualdade e endividamento. É
nesse clube que o Brasil está prestes a entrar. Será que devíamos mesmo estar
comemorando? E será que tem algum jeito de escapar da “maldição do petróleo”?
Por
que petróleo faz tão mal? Como é que uma das mercadorias mais valorizadas do
mundo pode gerar pobreza, guerra e autoritarismo? Nos últimos anos, economistas
e cientistas políticos encontraram uma série de explicações.
A primeira: petróleo enfraquece a economia. Ele custa
tão caro que uma cachoeira de dólares entra no país. Com muitos dólares em
caixa, a moeda nacional se valoriza. Resultado, fica barato importar produtos
estrangeiros e caro produzir – aí a indústria nacional definha. Só que o preço
do petróleo é uma montanha-russa. Em 1990, o barril custava mais de US$ 40.
Meses depois, caiu para menos de US$ 20. Enquanto este texto era escrito, um
barril custava US$ 135. Essas altas e baixas destroem qualquer um. O preço
sobe, o país se alaga de dólares e as indústrias fecham. O preço cai, secam os
dólares, o país se endivida e não tem indústria para ajudar.
A segunda: petróleo distancia os políticos do povo. A
maioria dos grandes exportadores de petróleo nem cobra impostos da população.
Não precisam. Têm dólar sobrando. Os governos não prestam contas a ninguém,
roubam descaradamente, torram dinheiro público e a sociedade civil é fraca,
desestruturada.
A terceira: petróleo torna a política mais burra. A
maioria dos países exportadores não tem um projeto de desenvolvimento, apenas
grupos rivais brigando pelo poder – e pelo acesso ao poço de dinheiro. Quando
chegam lá, gastam que nem loucos, sem planejamento, para não deixar nada para
os rivais.
Quer
dizer então que nos ferramos? Não. Num certo sentido, o Brasil deu sorte de
virar exportador justo agora, quando estudiosos estão desvendando os mecanismos
da maldição e inventando antídotos. Outra sorte é que o nosso petróleo está
enterrado bem fundo, e vai demorar para começar a jorrar. Ou seja, dá tempo de
nos prepararmos. Só que devemos trabalhar já, antes de o petróleo começar a ser
vendido. Veja o que precisamos fazer:
1. Ter um projeto de país. Está na hora de
governo, oposição e sociedade civil discutirem que tipo de país nós queremos.
Claro que não vamos concordar em tudo, mas dá para alcançar alguns consensos.
Por exemplo: o de que precisamos de educação básica decente, de
infra-estrutura, de um sistema de saúde, de pesquisa científica, de proteção ao
ambiente. O papel da imprensa é discutir essas questões e informar a sociedade,
para que todo mundo possa participar. Com todo mundo de acordo com esse
projeto, podemos planejar a longo prazo o uso do dinheiro do óleo – e cada
governo novo tem a obrigação de continuar o que o anterior começou.
2. Proteger a economia. Quando o dinheiro
vier, nos encheremos de dólares. Precisamos evitar que essa dinheirama inunde a
economia e supervalorize o real. O ideal é colocar tudo numa conta separada,
que precisa ser vigiada de perto pela oposição e pela sociedade civil, para que
ninguém tire dela mais do que o permitido. O governo só pode sacar até um certo
limite, e deixar o resto guardadinho para os nossos netos. Se o preço do
petróleo cair, pode sacar um pouquinho mais para evitar depressão na economia.
Se subir, é hora de guardar para tempos bicudos. E tudo o que o governo sacar
tem que ser usado para colocar em prática o projeto de país descrito no item 1.
Nada de aumentar a gastança do governo.
3. Transparência. O único jeito de evitarmos que
surrupiem a grana é abrirmos todas as janelas. Precisamos que cada funcionário
do governo tenha obrigação de prestar contas do que faz. Precisamos de
organizações independentes destinadas a investigar gastos públicos. Precisamos
de uma imprensa menos gritona e mais vigilante e racional. Precisamos que cada
órgão do governo tenha como uma de suas funções fiscalizar um outro órgão do
governo. Precisamos que o orçamento seja claro, transparente e público. O saldo
da conta do dinheiro do petróleo, por exemplo, tem que poder ser acessado
online por qualquer brasileiro. Se fizermos tudo isso, o petróleo não só
deixará de ser uma maldição como resolverá a maioria dos problemas do Brasil.
Está aí a Noruega, 3a exportadora de petróleo e 2o maior índice de
desenvolvimento humano do mundo, para provar que é possível. Mas, se não fizermos
a lição de casa… Hmm, a coisa vai feder.
Petróleo pode ser uma maldição
Moisés Naím -Valor Econômico
Muitas
vezes, o petróleo acaba sustentando governantes autoritários. Por Moisés Naím
petróleo é uma maldição. Gás . Natural, cobre e diamantes também são nocivos
para a saúde de um país. Daí decorre uma constatação que é tão poderosa quanto
anti-intuitiva: países pobres, mas ricos em recursos, tendem a ser
subdesenvolvidos não apesar das suas riquezas minerais e em hidrocarbonetos,
mas em virtude da sua riqueza de recursos. De uma forma ou de outra, o petróleo
— ou ouro, ou zinco — toma o país pobre. Esse fato é difícil de acreditar e
exceções, como Noruega e EUA, são geralmente usadas para argumentar que
petróleo e prosperidade para todos podem de fato caminhar juntos.
A
raridade dessas exceções, no entanto, não só confirma a regra como também
mostra o que é preciso fazer: democracia, transparência e instituições públicas
eficientes. Essas são precondições importantes para aspectos mais técnicos da
receita, incluindo a necessidade de manter a estabilidade macroeconômica.
Gerenciar
as finanças públicas prudentemente, investir parte dos lucros inesperados no
exterior, estabelecer "fundos para dias chuvosos", diversificar a
economia e assegurar que a moeda local não alcance uma cotação elevada demais.
Tudo
isso parece simples, e com Brasil, Gana e outros países provavelmente em vias
de se tomarem grandes protagonistas do petróleo, podemos ter a expectativa de
testemunhar alguns raros casos de teste dessas recomendações.
Infelizmente,
para a maioria dos países subdesenvolvidos, as defesas sugeridas são tão
utópicas quanto à meta mais ampla que elas ajudariam a alcançar. Países que já
possuem essas vantagens institucionais não precisam se preocupar com a maldição
dos recursos. Para os demais, a exemplo de uma doença auto-imune, a maldição
mina a capacidade dos governos de contrair defesas contra ela. Poder
concentrado, corrupção e o dom dos governos de ignorar as necessidades das suas
populações tomam a maldição algo difícil de se resistir.
Juan
Pablo Pérez Alfonzo, ministro do Petróleo da Venezuelano começo da década de
1960 e um dos fundadores da Organização dos Países Exportadores de Petróleo
(Opep), foi o primeiro a chamar a atenção para o problema. O petróleo, ele
disse, não é ouro negro: é o excremento do diabo.
Desde
então, a constatação de Pérez Alfonzo tem sido rigorosamente testada—e
confirmada — por economistas e cientistas políticos. Eles documentaram, por exemplo,
que, desde 1975, as economias de países subdesenvolvidos ricos em recursos
naturais cresceram em ritmo mais lento que as dos países que não podiam
depender da exportação de minérios e matérias primas. Mesmo quando ocorre
crescimento alimentado por aqueles recursos, ele raramente gera os costumeiros
benefícios sociais plenos do crescimento.
Uma
característica comum dessas economias é que elas tendem a ter taxas de câmbio
que estimulam importações e inibem a exportação de quase tudo exceto sua
principal commodity. Não que seus líderes não percebam a necessidade de
diversificar. Os países ricos em petróleo investiram em outros setores, mas
poucos desses investimentos tiveram êxito, pois a taxa de câmbio retarda o
crescimento da agricultura, da produção fabril, do turismo e demais setores.
Depois,
há a intensa volatilidade das commodities exportadas. Nos últimos 24 meses, por
exemplo, o preço do petróleo disparou, subindo de menos de US$ 80 por barril
para US$ 147, depois caiu para US$ 30, e mais uma vez se deslocou para cima,
para US$ 60, em meados de 2009. Esses ciclos têm efeitos devastadores. A
expansão provoca excesso de investimento, assunção de risco temerária e
endividamento demasiado. A recessão leva a crises bancárias e cortes
orçamentários draconianos que prejudicam os pobres, que dependem de programas
governamentais. Ademais, o crescimento impulsionado pelo petróleo não gera
empregos em volumes proporcionais à sua participação na economia. Em muitos
desses países, o petróleo e o gás natural respondem por mais de 80% das
receitas governamentais, ao passo que esses setores geralmente empregam menos
de 10% da força de trabalho. Isso aumenta a desigualdade econômica.
Um
país petrolífero autoritário tem menos probabilidade de se mover na direção da
democracia que uma autocracia sem recursos
Talvez
de forma ainda mais significativa, a maldição do petróleo gera políticas
perversas. Considerando que os governos desses países não precisam tributar a
população para acumular receitas fiscais gigantescas, seus líderes podem se dar
o luxo de ser insensíveis e de se esquivar de prestar contas aos contribuintes,
que por sua vez mantêm vínculos tênues e não raro parasitários com o Estado.
Esses governos, com sua capacidade de dispor de imensos recursos financeiros
praticamente de acordo com a sua vontade, inevitavelmente se tomam corruptos.
Assim
que assumem o poder, esses governos ricos em petróleo são difíceis de
desalojar, gastando vastos recursos públicos para comprar ou reprimir
adversários políticos. Estatisticamente, um país petrolífero autoritário tem
muito menos probabilidade de se mover na direção da democracia que uma
autocracia carente de recursos. Governos ricos em petróleo nos países em
desenvolvimento gastam duas a dez vezes mais com suas forças armadas que países
pobres ou de renda mediana e são mais propensos a declarar guerra. A maioria
dos países exportadores de petróleo que não possuem sólidas instituições
democráticas antes de começarem a exportar petróleo cria uma atmosfera inóspita
para a democracia.
Isso
explica porque fundos soberanos, fundos de estabilização do petróleo e outras
soluções tentadas pelos países ricos em petróleo para evitar os efeitos da
volatilidade, excesso fiscal, endividamento, taxas de câmbio inibidoras de
exportação e outros efeitos nocivos, raramente funcionam. Eles são atacados
antes dos dias chuvosos ou são desperdiçados em investimentos medíocres.
Assim,
estarão perdidas todas as esperanças para países pobres com ricos recursos
naturais? Não necessariamente. Chile e Botsuana se destacam como casos de
sucesso em continentes onde a maldição dos recursos provocou destruição. Como
eles conseguiram se proteger ainda é um mistério. Desvendar o segredo do seu
escape da maldição dos recursos poderá salvar milhões do excremento do diabo.
Mas ninguém fez isto até agora.
Moisés
Naím é editor-chefe da revista "Foreign Policy", onde uma versão
deste artigo será publicada em breve.
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